O dia em que "Vapor Barato" escapou da censura.

Olá galera! Hoje o Quarta Musical traz para vocês a música ganhadora do nosso sorteio em parceria com a Casa di Minas, que é: Vapor Barato! 

Como já falamos em nossa postagem anterior, Vapor barato foi composta no ano de 1970 pela dupla Jards Macalé e Waly Salomão e ficou muito famosa em 1971, na interpretação emocionante e bem intimista, da maravilhosa Gal Costa. A música foi incluída no álbum da cantora chamado "Fa-tal - Gal a todo vapor", mesmo nome da sua turnê que foi dirigida por Waly, sendo este um grande marco em sua carreira. 

A canção foi composta durante a ditadura militar no Brasil, um período bem difícil em que o país passava por uma dura repressão política, logo após ser decretado o Ato Institucional nº5 (AI-5), conhecido como: "Anos de Chumbo". Uma parte da juventude dessa época, inventou a contracultura, pois eles não se identificavam mais com a cultura atual e buscavam outras alternativas no modo de se vestir, de se comportar e também claro, de fazer música. A tropicália então surge no Brasil, como um grande movimento musical de contestação e revela grandes artistas da nossa MPB, como: Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé.  É
 nesse período também que o movimento hippie se fortalece e os jovens iniciam uma era de rebeldia, consumo de drogas e desapego material. 


Na década de 70, Waly Salomão foi pego numa blitz com uma porção de maconha no bolso e levado preso para a penitenciária do Carandiru em São Paulo. Foi o tempo na detenção que inspirou o compositor a escrever toda a sua angústia e discordância com o que acontecia, causando-lhe também um medo das grandes cidades, indo morar em Niterói.  Por conta desse contexto, a letra traz um duplo sentido:  faz alusão ao vapor dos navios, por sua vontade imensa de fugir, ir embora e ao vapor da maconha, que dava a ele uma sensação boa, um "maior barato", gíria bem usada na época. 

Apesar da letra de Vapor Barato estar impregnada por diversos fatos decorrentes dessa época, posso dizer que ela tornou-se atemporal.  Pois fala da busca do ser humano a um lugar no mundo, o seu questionamento existencial e a procura por um exílio para recarregar suas  energias e talvez, quem sabe, ele possa retornar ao seu lugar e continuar lutando pelo que acredita. Logo abaixo segue a fala de Waly, um dos autores da canção, que retratou o seu exílio interno e a  sua insatisfação por um país que o abandonava: 

"Começamos a trabalhar exatamente naquele período que marcava um vazio depois do AI-5, depois de tudo o que foi o tropicalismo em 1968 e que foi cortado violentamente no final daquele ano. 69 começava como um período de esmagamento total, vindo de cima, do poder. A gente conversava muito e eu ficava incitando Macalé a quebrar os vínculos com remanescentes da bossa nova ou então com a música de concerto, com aquele perfeccionismo. Insistia na necessidade dele criar um espaço próprio. Isso era fundamental naquele momento – uma voz que continuasse cantando e mantivesse acesa a chama. Nessa época escrevi e Macalé musicou Vapor Barato, de letra oposta à tendência liricista e nebulosa que predominava. Era direta, frontal, dizendo o que era possível naquele momento de desencanto."

Nesse trecho o autor fala sobre a sua vontade de manter a chama acesa e não se deixar levar pela mudança que estava ocorrendo no meio musical. Incitou então, Jards Macalé, que na época era muito tímido para cantar, a criar algo que desse a possibilidade deles falarem ao mundo o que precisava ser dito, usando de metáforas e alusões para possibilitar a compreensão e ao mesmo tempo passar despercebida pela censura. Assim conseguiram, surgindo a belíssima música Vapor Barato. 

A música entrou na trilha sonora do filme "Terra Estrangeira", dirigido por Walter Salles em 1995, protagonizado pela atriz Fernanda Torres. O mais curioso é que foi totalmente por acaso que Vapor Barato foi incluída no filme. Isso aconteceu após Salles escutar Fernanda cantarolar os versos da canção nos intervalos das filmagens. O diretor gostou tanto que acabou rapidamente incluindo na cena. 

No ano de 1996, a banda "O Rappa" traz uma nova releitura da canção, fazendo com que ela volte a ganhar visibilidade, ressurgindo em uma nova circunstância histórica e conquistando o público novamente.  Em uma melodia bem renovada, a versão traz elementos do reggae e do rock alternativo, algo que é bastante característico no som d' O Rappa. 


No ano seguinte, em 1997, o cantor Zeca Baleiro grava "Flor da Pele" e no final da sua canção, inclui os versos de "Vapor Barato". Ficou tão perfeita essa mesclagem das duas letras, que parece ser uma música só. 

Gal ficou impressionada com a voz do artista e achou tão incrível o novo arranjo que ele deu para Vapor Barato, que o convidou para fazer uma participação na gravação de seu "Acústico MTV". Os dois então fizeram um medley "Vapor Barato/Flor da Pele" que ficou sensacional. Essa gravação fez Zeca Baleiro ficar conhecido pela grande mídia, impulsionando a sua carreira. 

Vamos então a letra! 

Sim!

Eu estou tão cansado, mas pra não dizer

Que eu não acredito mais em você

O autor já está esgotado, cansado de lutar...

Mas esse cansaço não é tão grande ao ponto de fazer ele desistir. Ele ainda acredita que tudo pode melhorar, mas vai em busca de paz e uma vida mais harmoniosa e alternativa.   



Com minhas calças vermelhas

Meu casaco de general cheio de anéis

Eu vou descendo por todas as ruas

Eu vou tomar aquele velho navio

Eu vou tomar aquele velho navio

Aquele velho navio

Tanto Waly quanto Macalé, viviam como hippies, usavam vestimentas pobres e ao mesmo tempo estilosas. Usar calças vermelhas junto com um casaco de general, alta patente militar, era uma forma de protesto. Iam andando pelas ruas, fugindo da repressão e fumando seu baseado. 

E a grande vontade deles de partir e sair daquela situação é retratada nesse trecho, quando dizem que querem pegar o velho navio e ir embora do Brasil, exilar em uma terra estrangeira. 


Eu não preciso de muito dinheiro

Graças a Deus

E não importa

e não importa não!

Eles viviam "duros", não precisavam de tanto dinheiro. A precariedade de vida que levavam e que pra eles não importava, não tinha problema algum. Só queriam sair daquela situação extremamente desagradável que estavam vivendo. 


Oh minha honey

Baby, baby, baby

Honey, Baby

Honey baby é uma alusão ao estrangeiro, à influência dos Estados Unidos no Brasil durante o período militar. E também pode ter sido direcionada a alguém muito especial para ele. 


Sim eu estou cansado mas não pra dizer

Que eu estou indo embora

Talvez eu volte um dia

eu volto, quem sabe

Nesse trecho o autor mostra a sua vontade de retornar. Ele se vê forçado a abandonar o país, mas não era algo que queria realmente fazer. 


Mas eu preciso

Eu preciso esquecê-la

A minha grande a minha pequena

A minha imensa obsessão

A minha grande obsessão

Porém no final ele enfatiza que precisa conseguir esquecer essa obsessão, esse sentimento exagerado de querer sumir e se afundar nas drogas como uma forma de fuga ao que tanto lhe atormenta. 

Segue abaixo as excelentes gravações dessa canção: 


Gal Costa e Zeca Baleiro



O Rappa



Gal Costa



No filme "Terra Estrangeira" (1995)


Conta pra gente a sua versão preferida e vem papear nos comentários! 


Mais uma vez agradecemos à Casa Diminas pela maravilhosa parceria! Também ao Produtor Cultural Cezar Renato, responsável por essa ponte. Obrigada também a todos vocês que participaram desse Quarta Musical interativo, votando e participando do sorteio! E um super parabéns a nossa vencedora do sorteio: Mery Mendes!! Aproveite seu delicioso prêmio da Casa Diminas, que só tem trem bão dimais daconta! 
Até a próxima! 

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Texto: Priscilla Dutra
Edição: Nanda Catarcione

Comentários

  1. Parabéns pelo texto. Trabalho de pesquisa bem feito. Gosto tanto dessa música que pus em um dos meus livros. É muito potente. A versão que mais gosto é a da Gal com Zeca Baleiro. Mas cada uma sua identidade.
    Obrigado pelas postagens. Tento acompanhar sempre que dá.

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    Respostas
    1. Obrigada você pela presença aqui, Thiago!! Minha versão preferida também é essa, mas ficou sendo só depois dessa pesquisa incrível da Priscilla! Agora, mais que antes, já quero ler seu livro. :)

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