Liniker e sua simplicidade poética carregada de significado em "Zero".

Saindo um pouco dos clássicos antigos da música brasileira e vindo pra atualidade, pinçamos um hit de 2015 que ficou na cabeça de todo mundo através da voz da nossa icônica Liniker e que eu já vou colocar aqui, no início do texto, pra você ler ele todinho com essa delícia na cabeça, assim como eu tô enquanto escrevo!

Liniker de Barros Ferreira Campos, nascida em Araraquara/SP, tem atualmente 25 anos, é uma artista, cantora, atriz e compositora. Travesti, não-binária, ela se identifica atualmente como mulher e é neste gênero que a tratarei durante o texto. 

Vinda de uma família de músicos, mais precisamente sambistas, começou a cantar em um musical da escola, quando já tinha muitas cartas de amores platônicos nunca entregues. Começou a compor aos 16 anos, aos 18 ingressou para a Escola Livre de Teatro, em Santo André/SP, onde tem, segundo ela, os ensinamentos adquiridos ali como base para sua carreira artística. 

Seu nome é em homenagem ao jogador de futebol Gary Lineker, que se destacou na Copa de 1994, que a pedido de seu tio, muito fã de futebol, a mãe de Liniker aceitou batizá-lo com este nome.

Liniker traz muita representatividade para a comunidade negra e LGBTQ+, onde afirma, em uma entrevista com Lázaro Ramos, que "Estou em constante construção de mim o tempo inteiro. Então poder ver que eu construo nas pessoas, e que junto com elas eu também me construo, é o maior movimento de tudo que pode ter acontecido.". E a partir de sua arte, manifesta sua luta e sua essência, através de empoderamento, autenticidade e originalidade, cantando o que acredita, o que vive e o que desejaria viver.

A música analisada de hoje é a que mais carrega e representa tudo isso, me arrisco a dizer que carrega a cerne da arte de Liniker. Com seu primeiro EP lançado em outubro de 2015, de nome "Cru", Liniker hitou com a música "Zero", que ao ser lançada teve 1 milhão de visualizações na primeira semana.

Inspirada nos gêneros soul e black music, a cantora segue essa linha melódica. Mesmo com apenas duas estrofes, que se repetem várias vezes, "Zero" é uma canção que muito nos fala, pois permite infinitas interpretações e se encaixa diante da vivência de quem a escuta. Liniker diz que a partir do momento que colocou "Zero" para o mundo, as pessoas se apropriaram dela e ressignificaram tanto essa música, que não sente que é mais dele, não é mais aquela carta escrita para o amor platônico... Ela é do mundo, justamente por essa relação que as pessoas criam com esse hit ao passo que vão escutando, cantando, recitando. 

Exatamente por ter apenas duas estrofes, ela gruda na cabeça, por ser repetida várias e várias vezes, acompanhada de uma melodia que inclui a voz maravilhosa de sua criadora. Além de ser uma "música chiclete", é sensual, envolvente, calma e que mexe com a gente. Colocarei minha interpretação da letra, porém deixo livre pra vocês continuarem dizendo o que entendem, sentem ou o que a música remete quando escuta.


A gente fica mordido, não fica?

Dente, lábio, teu jeito de olhar

Me lembro do beijo em teu pescoço

Do meu toque grosso, com medo de te transpassar


A autora usa e abusa de metáforas e mescla com o sentido literal, que podemos ver nos dois primeiros versos. É uma letra muito poética, que permite inúmeras e infinitas interpretações, parece que transpassa e independe de tempo e espaço. 

Ficar mordido significa estar marcado por algum sentimento, sensação, lembrança. Ao ligar com as palavras "dente, lábio" a autora já remonta para a lembrança de "mordidas" carnais, reais, literais; fazendo menção a momento vividos entre ela e a pessoa lembrada. Acaba ficando um sentido ambíguo, pra criar exatamente um campo analítico, para várias interpretações.

"Toque grosso" e "medo de te transpassar" fazem uma alusão ao Trovadorismo nessa poesia, pois refere-se à fragilidade feminina. Porém a canção é tão livre de identidade de gênero, tanto gramatical quanto musical, que essa fragilidade e também a grosseria dos personagens são independentes de serem homem ou mulher. 


Peguei até o que era mais normal de nós

E coube tudo na malinha de mão do meu coração

Esses dois versos soam quase que como um mantra, com a suavidade da voz da Liniker! É um estrofe bastante reflexiva, pois pode significar que viveram tão poucas coisas, incluindo o que era mais normal, que coube só em uma mala de mão, que é pequena, do coração, que também é pequeno. Mas pera... no coração é bem íntimo, né? Bem perto, bem dentro da gente... Talvez tenham vivido coisas por u m curto período de tempo, mas que foram muito importantes e igualmente marcantes pra autora. 

Também pode ser interpretada de uma outra forma, totalmente diferente, porque até o que era mais normal entre eles ela quis guardar, não quis jogar nada fora, e guardar bem próximo a ela, bem dentro, na mala de mão, que ela leva com ela, não despacha, dentro do coração mesmo. 

Dependendo de cada um isso pode ter mais outras interpretações livres e quero saber a sua!


Deixa eu bagunçar você... 

E aí que com uma simples frase, Liniker finaliza essa canção. Simples, mas não vazia de significado, assim como toda a música. "Bagunçar" é um verbo muito forte, que carrega muita intensidade, e é trazido para a simplicidade dessa frase e também para a ternura melódica da obra. 

Ela quer bagunçar a pessoa lembrada, e aqui temos mais uma ambiguidade, pois pode ser bagunçar no sentido literal, de relação física, tirar a roupa, bagunçar cabelo, roupa, maquiagem, etc... Também pode ser bagunçar sentimentalmente, a ponto de só sentirem as emoções da relação, deixar entrar na vida, sentir aquele frio a barriga, esquecer dos compromissos ao ficar pensando em estar com pessoa...

Com essas estrofes simples e carregadas de significado, Liniker entrega em sua estreia uma canção moderna, simples em acordes, frases, letra e que passa a sua mensagem e também possibilita ser carregada de outras mensagens sendo ressignificada. Ela não enjoa, apesar de ser repetitiva, muito pelo contrário! Se você ouve no início do dia, a música fica na sua cabeça o resto do dia! Por conta de sua musicalidade, tanto das vozes, quanto dos instrumentos, ela ecoa na mente transpassando pra alma.

Espero que tenham gostado desse formato diferente de hoje e, relembro que quero saber o que essa música te traz a mente e ao coração quando você escuta.

Pra compor esse texto, me inspirei em três entrevistas muito interessantes com a Liniker, que vou deixar aqui disponíveis, só clicar nesses links: entrevista com Lázaro Ramos, entrevista pro Canal Woohoo e Entrevista com o Jô Soares. Além disso, também me inspirei em uma análise poética e lírica da música, do canal Literatura e Mundo

Não esquece de me contar nos comentários o que essa música te diz! 

Até a próxima! 

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Texto e edição: Nanda Catarcione

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