A riqueza metafórica de "Lanterna dos Afogados" (Paralamas do Sucesso, 1989)

Hoje nós iremos analisar a música “Lanterna dos Afogados”, composta por Herbert Vianna, da banda Paralamas do Sucesso. A letra foi escrita no ano de 1989 em apenas 10 minutos. Segundo Herbert, em uma entrevista à revista “Vinho Magazine”, a música surgiu de uma forma totalmente despretensiosa enquanto passeava de moto com a sua namorada da época. Segue o trecho da entrevista:

“Certa vez, saí com minha namorada para jantar. Sentei-me na moto, ela começou a conversar, mas pedi que ela não falasse mais nada, porque estava com a melodia e a letra na cabeça. Quando chegamos ao restaurante, em Ipanema, o garçom veio saber o nosso pedido. ‘Papel e caneta, rápido’, foi o que eu pedi. Naqueles dez minutos de moto, da minha casa até o restaurante a música foi composta”, disse o compositor.

Até os dias de hoje, "Lanterna dos Afogados" é interpretada de diversas formas, devido à riqueza de metáforas existentes na letra. Primeiramente é importante citar que o seu título foi inspirado em um capítulo do livro “Jubiabá”, escrito por Jorge Amado e publicado no ano de 1935. Faremos aqui um breve resumo da obra:

 “O romance tem como cenário a cidade de Salvador na Bahia e nos apresenta Antônio Balduíno, um menino negro que foi criado na favela do Capa-Negro e sonhava com uma vida de liberdade. Ao longo da história, acompanhamos as diferentes fases de sua vida: quando vivia nas ruas, ainda criança, cometendo pequenos delitos, agregado na casa de um comendador, malandro, boxeador, trabalhador nas plantações de fumo, artista de circo e estivador. Sentindo-se inadequado na sociedade, Balduíno passa o seu tempo bebendo, compondo e vendendo sambas no fictício bar Lanterna dos Afogados (nome que dá título ao capítulo), onde as classes populares da cidade se reúnem para compartilhar suas angústias e sofrimentos. O bar é localizado no Cais do Porto da Bahia e tem em sua fachada a pintura de uma sereia que retira um suicida do mar. Na narrativa, é próximo ao Lanterna dos Afogados que aparecem, flutuando no mar, os corpos de suicidas.”

A partir da história desse livro, chegou-se a uma interpretação de que a música "Lanterna dos Afogados" representa metaforicamente a ideia de um lugar seguro, onde as pessoas descarregam seus sofrimentos, como uma forma de trazer alívio para as suas angústias. Ao

entrarem naquele espaço, hão de encontrar sempre um ombro amigo para lhes escutar e encorajar a continuarem os seus caminhos, pois apesar de tamanha aflição, sempre há um bom motivo pra continuarem a viver.

Outra interpretação da letra bastante conhecida e divulgada, é a de que o Cais do Porto era um local onde as mulheres dos pescadores esperavam os seus maridos com lanternas, para ajudá-los a achar o caminho certo de volta para casa. O risco de morte por naufrágio era frequente e toda esposa de pescador ficava aflita e em constante oração, sempre na torcida para que pudesse rever o seu marido.

Como foi dito acima, "Lanterna dos Afogados" consegue dar espaço para inúmeras reflexões, pois sabemos que existem muitos tipos de sofrimentos, e a música passa para nós a simples mensagem de que há sempre uma esperança no fim do túnel e, principalmente, sempre há de haver alguém com quem podemos dividir nossas dores e enxugar nossas lágrimas.

Vamos então à letra:                                                         

“Quando está escuro

E ninguém te ouve

Quando chega a noite

E você pode chorar”

O sofrimento em silêncio. A noite é um momento em que estamos sozinhos, no escuro, e podemos derramar nossas lágrimas sem ninguém ver.


“Há uma luz no túnel

Dos desesperados

Há um cais de porto

Pra quem precisa chegar”

O autor coloca “cais de porto”, trocando a preposição “do” pelo “de” como forma de caracterizar qualquer lugar em que é possível parar para encontrar uma solução, ou um alívio, para o sofrimento. Sempre há uma saída.


“Eu estou na Lanterna dos Afogados

Eu estou te esperando

Vê se não vai demorar”

Peça ajuda, não precisa sofrer sozinho. A pessoa, nessa estrofe, diz aonde está e pede que venha o mais rápido possível.

 

“Uma noite longa

Pruma vida curta

Mas já não me importa

Basta poder te ajudar”

Ela não mede esforços para dar suporte a quem precisa de apoio. Uma pessoa que sente empatia pelas dores do outro. Não importa o quão difícil seja.


“E são tantas marcas

Que já fazem parte

Do que eu sou agora

Mas ainda sei me virar”

A pessoa já sofreu bastante na vida e ainda possui muitas cicatrizes que a fizeram se tornar o que ela é agora, um ser forte e capaz de enfrentar o que vier pela frente. Com isso, fará o que puder, para ajudar o outro a conseguir se levantar também.


“Eu tou na Lanterna dos Afogados 

Eu tô te esperando

Vê se não vai demorar”

E agora nessa última estrofe, o autor repete o refrão, a fim de dar ênfase ao fato de que, por maior que seja a sua dor e o seu sofrimento, sempre há uma solução e alguém com quem você possa contar.

Para finalizar, não tem como escutar "Lanterna dos Afogados" sem viajar em seu solo de guitarra, dito como um dos mais incríveis do rock nacional, e em toda a sua melodia que deixa a música ainda mais sensacional. Foram gravadas diversas versões além da original, gravada pelos Paralamas do Sucesso, e, por conta disso, iremos deixar aqui abaixo os vídeos de algumas dessas gravações que ficaram lindíssimas.

Gal Costa e Herbert Vianna



Cássia Eller



Maria Gadú


Conta pra gente nos comentários qual foi a primeira vez que você ouviu essa obra e qual sentimento ela te traz!! :)

Até a próxima! 
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Texto: Priscilla Dutra
Edição: Nanda Catarcione


Comentários

  1. Nossa, que MARAVILHOSO! Sou apaixonada por essa música e pela versão com a Gal ❤️

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    1. Muito obrigada, Ju! Essa música é incrível mesmo! A versão da Gal eu conheci ao editar o texto e que delícia é escutar na voz dela, amei!!

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    2. Eu amei a versão da Cássia também! Ficou uma pegada mais rock! Sensacional ❤️

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    3. Demais, Pri!!! Saudades dela, poxa vida! <3

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